A Lei nº 14.967/2024, sancionada em 9 de outubro de 2023, trouxe importantes mudanças para o setor de segurança privada, substituindo e modernizando a antiga Lei nº 7.102/1983. O Novo Estatuto da Segurança Privada regulamenta diversas atividades, como vigilância, segurança patrimonial, segurança eletrônica e controle de acesso, adaptando essas áreas às demandas e tecnologias contemporâneas. Uma das questões relevantes que surgem com essa nova legislação é o risco de desvio de função, especialmente no caso de porteiros e controladores de acesso.
A função de porteiro ou controlador de acesso deve se limitar ao controle de entradas e saídas de pessoas e veículos dentro do perímetro do condomínio ou empresa. Essa definição decorre de regulamentações e práticas do setor, associadas à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e às convenções coletivas de trabalho da categoria, além de diretrizes de segurança. A Lei nº 14.967/2024 reforça a necessidade de delimitar funções de acordo com as normas de segurança.
• Desvio de Função: Porteiro x Vigilante
A função de porteiro ou controlador de acesso está tradicionalmente definida como, entre outras coisas, o controle de entradas e saídas de pessoas e veículos, em um posto fixo, como uma guarita ou portaria. Por outro lado, o vigilante exerce uma função de segurança ostensiva, realizando ações preventivas de proteção patrimonial, rondas, triagens e defesa contra riscos de segurança, como invasões e roubos.
Colocar um porteiro ou controlador de acesso na calçada para realizar triagem de veículos é uma prática que pode ser configurada como desvio de função, conforme a Súmula 372 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O desvio de função ocorre quando um trabalhador executa tarefas além das suas atribuições e formações, sem a devida remuneração. No caso, o porteiro estaria desempenhando atividades semelhantes às de um vigilante, sem estar adequadamente treinado, autorizado, remunerado ou protegido.
• Fundamentos Legais do Desvio de Função
O Artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que não é permitida a alteração das condições de trabalho de forma prejudicial ao empregado sem seu consentimento. O desvio de função pode ser considerado uma violação a esse artigo, pois o porteiro, ao ser colocado para atuar fora de sua área de competência sem a devida remuneração, sofre uma alteração indevida em seu contrato de trabalho.
Art. 468: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”
Conforme a Súmula 372, II do TST, o trabalhador que sofre desvio de função tem o direito às diferenças salariais referentes às funções efetivamente desempenhadas, sem que isso implique reclassificação automática. Vejamos:
“II – Configurado o desvio funcional, o empregado faz jus às diferenças salariais decorrentes, não ensejando, todavia, a reclassificação.”
Ou seja, o porteiro que for colocado em uma posição de vigilância, pode reivindicar diferenças salariais caso comprove que exerceu funções além das previstas no contrato de trabalho.
• Riscos de Segurança
Posicionar o porteiro ou controlador de acesso na calçada para realizar triagem de veículos não só representa um desvio de função, mas também expõe o profissional a riscos de segurança, como assaltos, atropelamentos e violência urbana, comprometendo sua integridade física. Além disso, essa prática pode colocar em risco a segurança do condomínio, pois o porteiro não estará em um local adequado para monitorar as entradas e saídas de forma eficaz.
A Lei nº 14.967/2024 visa garantir que as atividades de segurança e controle de acesso sejam desempenhadas em condições adequadas, com os profissionais devidamente equipados e protegidos. Ao exigir que o porteiro atue fora do seu posto de trabalho, o condomínio e a empresa infringem essas diretrizes, expondo-se a penalidades.
• Penalidades e Multas
A Lei nº 14.967/2024 prevê sanções severas para irregularidades e desvios de função. Tanto o condomínio quanto a empresa prestadora de serviços podem ser responsabilizados solidariamente, e as penalidades incluem:
- Multas Administrativas: A prática de desvio de função pode gerar multas administrativas aplicadas pela Polícia Federal, responsável pela fiscalização do setor de segurança privada. Essas multas variam conforme a gravidade da infração.
- Responsabilidade Solidária: Nos casos de desvio de função ou condições inadequadas de trabalho, tanto o condomínio quanto a empresa de segurança podem ser responsabilizados solidariamente, o que significa que ambos podem ser alvo de ações judiciais, multas e indenizações.
- Indenizações Trabalhistas: Além das multas administrativas, o trabalhador que sofrer desvio de função pode buscar reparação judicial. O condomínio e a empresa podem ser condenados a pagar indenizações por danos morais e materiais, além de valores retroativos referentes às diferenças salariais por todo o período em que o profissional desempenhou funções além de suas atribuições.
• Quem pode prestar esse serviço de segurança na área externa?
A já mencionada Lei nº 14.967/2024, estipula em seu 2º artigo que:
“Os serviços de segurança privada serão prestados por pessoas jurídicas especializadas ou por meio das empresas e dos condomínios edilícios possuidores de serviços orgânicos de segurança privada, neste último caso, em proveito próprio, com ou sem utilização de armas de fogo e com o emprego de profissionais habilitados e de tecnologias e equipamentos de uso permitido.”
Ao mencionar “pessoas jurídicas especializadas”, a lei se refere a empresas que são devidamente autorizadas pela Polícia Federal e Ministério da Justiça a prestar serviços de segurança privada. Logo, vê-se que não basta a troca de um porteiro ou controlador de acesso para um vigilante objetivando a regularização.
O condomínio ou empresa que deseja ter esse tipo de serviço, deve contratar uma prestadora que possui o alvará de funcionamento das autoridades competentes acima mencionadas, que o autorizam a prestar serviços de segurança e vigilância patrimonial.
• Conclusão
Condomínios e empresas de segurança devem seguir rigorosamente as disposições da Lei nº 14.967/2024 e da CLT, em especial o artigo 468, para evitar o desvio de função. Manter porteiros ou controladores de acesso em áreas externas, como calçadas, para realizar a triagem de veículos, compromete tanto a segurança do profissional quanto do condomínio, configurando uma infração que pode resultar em multas e ações judiciais. O cumprimento das normas legais é essencial para proteger todos os envolvidos e evitar complicações jurídicas e financeiras.
Para regularizar a situação, o condomínio ou empresa deve contratar uma prestadora devidamente autorizada pela Polícia Federal e Ministério da Justiça a prestar serviços de segurança e vigilância privada.